10 agosto 2005

O que é, afinal, a tal "música nova"?

O duelo entre o novo e o antigo é algo presente na história de todas civilizações. Seja numa horda de bárbaros profanando templos romanos, seja na eleição democrática de um presidente por oposição a um regime ditatorial, a análise do continuum histórico nos mostra que a superação de um determinado status quo por uma nova ordem é o comportamento que, desde tempos imemoriáveis, vem movendo a humanidade. Nem sempre o novo obtém, num primeiro momento, um amplo consenso. Mas uma vez ocorrido, uma nova ordem é estabelecida, até o momento que o novo fica velho e espera a sua vez de ser superado.

Num certo sentido, toda história da arte se desenvolve na análise da sucessão/superação dos períodos estilísticos que a compõe (a arte do Renascimento veio a substituir à da Idade Média, e por sua vez, foi sucedida pelo Barroco, e assim por diante). No caso específico da música observamos também a presença do mesmo processo. Entretanto, ao fecharmos nosso foco em alguns dos seis grandes blocos em que ela é geralmente dividida – Idade Média, Renascimento, Barroco, Classicismo, Romantismo e Era Moderna, ou Modernismo – constataremos que a noção de “novo”, por vezes, não surge por meio de eufemismos estilísticos, mas sim de uma maneira direta e terminologicamente literal.

É, por exemplo, o caso do termo “ars nova” (em latim, “nova arte”) cunhado em 1322 pelo compositor francês Philippe de Vitry para designar um novo tipo de escritura polifônica no período que hoje denominamos Idade Média. Desde então, tudo o que é anterior a isto passou a ser conhecido como “ars antiqua”. Outro exemplo marcante é o termo seconda prattica, utilizado no século XVII pelo compositor italiano Claudio Monteverdi em um texto intitulado “A segunda prática [musical], ou a perfeição da música moderna” (Seconda prattica overo la Perfettione della moderna musica), no qual ele responde às críticas feitas a algumas composições suas, consideradas um tanto ousadas para a época. Mais uma vez, o duelo entre o novo e o antigo está em cena, e como bem indica o título do texto de Monteverdi, a noção de modernidade está intrinsecamente associada ao “novo”.

Novo e moderno são dois termos muito utilizados ao longo da história da música para se definir uma determinada atualidade. Para o poeta E.T.A. Hoffmann (1776-1822) seu colega de contemporaneidade Beethoven era um moderno, enquanto Mozart e Haydn eram “românticos”. Isto é, com o passar do tempo, os termos vão assumindo significados diferentes.

O que seria, então, a música nova ou a música moderna de nossa atualidade? Para compreendermos melhor isto, é necessário voltarmos às primeiras décadas do século XX. Este período da história da música é caracterizado, entre outras coisas, pelo uso mais constante de harmonias dissonantes, isto é, uma conjunção de notas de maior tensão sonora (em oposição à consonância, de menor tensão). Isto ocorreu em parte pelo desenvolvimento do próprio sistema tonal, que nada mais é a linguagem musical consolidada no século XVII e que é utilizada por compositores mesmo nos dias de hoje, principalmente na música popular em geral. A música na virada entre os séculos XIX e XX é fortemente caracteriza pelo “cromatismo”, que podemos entender como o início do processo de “desconstrução” desta linguagem.

Um das mais importantes correntes musicais deste período é designada como dodecafonismo. Criada na década de 1920 pelo compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951), o movimento teve como principais seguidores Alban Berg e Anton Webern, este último autor de uma série de conferências que leva significativo nome de “O caminho para a Música Nova”. Por seus empreendedores, o dodecafonismo seria a nova música que iria suplantar uma prática mais tradicional. Entretanto, o dodecafonismo jamais foi obteve uma ampla aceitação junto ao público de concertos (uma audiência ainda hoje extremamente conservadora), e mesmo entre os compositores, houve muitos que foram trilhar novos caminhos por outras sendas (um nome de relevância a ser lembrado é o do compositor russo Igor Stravinsky).

O fim da II Guerra Mundial, em 1945, trata-se de um período onde ocorreu as mudanças mais radicais na história da música. É a partir da década de 1950 que a noção de “Música Nova” se concretiza por meio de diversos festivais europeus dedicados à música de vanguarda, tais como os das cidades de Darmstadt e Donaueschingen (ambas na Alemanha). É quando surgem em cena compositores como Luciano Berio, Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, John Cage e Luigi Nono, entre outros ícones da modernidade.

Hoje em dia, ao invés de separar uma prática passada de uma atual, a noção de “Música Nova” é apenas a designação de mais um dos infinitos estilos presentes na babel musical de nossa modernidade. Uma atualidade onde não há qualquer consenso estético junto ao público, onde o que impera é a “música-produto” de fácil digestão (e comercialização), onde a arte vira entretenimento e cuja cultura ainda está nas mãos de marketeiros e de autoridades estatais inoperantes. O que virá depois da “pós-modernidade”? Esta é a pergunta que será deixada sem resposta

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]