26 dezembro 2006

Clássicos: o que fazer em caso de verão?!

Na praia, no campo ou mesmo pra quem ficou na labuta, algumas idéias para curtir o período de estiagem de concertos.

Pois bem pessoal, o ano passou, muita música rolou pelos ares, ouvidos e arrepios. Mas eis que chega a hora da estiagem de concertos, e para que realmente gosta de boa música (não falo apenas da dita-cuja clássica...), é quase um contra-ataque de horrores. Quem, num período como este, não teve que engolir muita música ruim compulsoriamente?

Tem o vizinho que se diverte em alto e bom som (bom?) com seu novo aparelho adquirido no natal. Tem mais um playboyzinho que neste exato momento está passando em frente da sua casa com o volume do carro no máximo. Tem o boteco a alguns metros de você, encorajando-o a encher a cara para, então, abstrair-se de tanta música medonha. Tem seus filhos (ou irmão, sobrinhos, enfim, estão todos no mesmo barco) vendo pela enésima vez aquele desenho animado com suas canções dubladas.

Para você, que até já perdeu a fé na humanidade diante de tanta barbárie sonora, segue algumas dicas para tornar suas férias (ou do trabalho, ou dos concertos) musicalmente mais instigantes. Vamos lá:

> Um: Pegue todos aqueles CDs que você comprou ao longo do ano e ouça-os com calma e prazer. Não vale ouvir no toca-discos do carro, ou enquanto arruma a casa, ou enquanto está internetando ou fazendo qualquer outra coisa. Desligue-se de tudo (celular, telefone, pc) e planeje ao menos uma horinha apenas ouvir - puro e simplesmente ouvir - música. Mesmo os versados na notação musical estão proibidos de acompanhá-las com partituras.

> Zwei: Choveu e, por um acaso, tem um PC conectado a banda larga perto de você? Ótimo! Acesse o YouTube e no campo onde você coloca o nome da "coisa" a ser procurada coloque o nome de seus intérpretes, compositores e obras prediletas. Acredite, você pode se surpreender com o que irá achar...

> Trois: Continuou a chover e não agüenta mais jogar tranca, buraco e pif-paf com a parentada? Então pegue seus CDs prediletos e deles selecione as faixas que mais gosta. "Como assim, desmembrar um movimento de sinfonia de sua completude artística?!" Sim, é isto aí mesmo. Faça uma seleção apenas dos momentos que mais gosta. Ou, se preferir, pense que fará uma seleção musical para uma pessoa amada (cônjugues, consortes, amantes, paqueras, filhos, amigos, etc). Uma dica para entender o que quero dizer é assistir ao singelo Alta Fidelidade. Para extrair as faixas do CD e, se quiser, transformá-las em MP3, recomendo o enxuto software CDex. IMPORTANTE: a ordem com a qual as músicas serão dispostas na seleção dizem muito sobre você ou sobre o você quer dizer à pessoa a quem a seleção é dedicada.

> Quattro: Filmes são sempre uma boa pedida, e assistir filmes prestando atenção em seu discurso musical é uma experiência estética singular. Algumas indicações especiais: Laranja Mecânica, Dançando no Escuro, Era uma vez na América, Fanny e Alexander, Ensaio de Orquestra, Match Point, entre muitos e muitos outros. Para sair de casa, tem O segredo de Beethoven, que anda relativamente bem recomendado por aí. Ainda não assisti, mas quem não se arriscaria para desfrutar de mais uma aparição de Ludwig van?

> ε (5 em grego, acho eu...): Deu pra dar uma escapadinha e sair um pouco de casa ou do trabalho (olha lá hein? me refiro a um outro tipo de escapada)? Então aproveite e fuçe nas lojas, mega stores, sebos, enfim, todo e qualquer lugar que possa ter música (ou ao menos um bom ar condicionado). Mas procure apenas por promoções. Quero dizer, busque por discos de bons selos e intépretes a preços interessantes (i.e., até uns R$ 25 num álbum simples até R$ 40 por DVD). Acredite, dá pra achar muita coisa bacana gastando "pouco". Mas cuidado, é de grão em grão (ou melhor, de disco em disco) que você sem querer pode encher o papo da galinha (isto é, algum banqueiro por aí...).

> Six: Claro, tem também os livros. Apenas para me concentrar no tema deste post, há ótimas dicas de livros sobre música lançados este ano. Dentre tantos, tenho duas especialmente agradáveis: as interessantíssimas Cartas, diários e cadernos de conversação, do grande Ludwig van e o monumental e apaixonante Jean-Christoph, romance em três volumes Romain Rolland sobre a vida de um compositor fictício. Vale muuuuuuuuuito a pena.

> Septum: E, claro, muitas vezes não há nada melhor do que simplesmente nada fazer. Ouvir o som dos passarinhos, ouvir o silêncio, enfim, desligar-se de verdade pode ser, muitas vezes, a melhor coisa a se fazer numa sociedade que insiste em entreter e "distrair". No máximo, faça uma caminhada, pegue uma estrada e toque dentro de sua cachola as músicas que mais ama (com qualquer equipamento sonoro no OFF!).

Assim sendo, bom verão, e para os privilegiados, boas férias!

15 dezembro 2006

A música na terra de Shiva

Livro de Alberto Marsicano é uma boa introdução ao universo da música indiana.

Desde finais do século XIX a arte do ocidente tem se aproximado, ainda que de forma tímida, da cultura oriental. Na música, isto pode ser percebido por meio de pequenas referências orientais em meio às práticas já tradicionais na Europa: ora é uma escala musical que evoca novas sonoridades (como em Debussy, por exemplo), ora são canções com poesia oriental traduzidas para os mais diferentes vernáculos (como Mahler e Zemlinsky). Mas, apesar de tudo, trata-se de uma visão bastante restrita de oriente, míope, na qual diferentes tradições são freqüentemente entendidas de forma indiscriminada e a presença da sonoridade oriental limita-se a um mero exotismo.

Somente a partir do século XX, mais precisamente após sua segunda metade, é que o oriente passa a ser melhor estudado pela antropologia ocidental. É quando o próprio ocidente atravessa a zona de turbulência de suas próprias revoluções – políticas, culturais, sexuais, etc. – é que a cultura indiana passa a ser conhecida em todo seu esplendor pelo oriente. É somente então que sua música passa a ser ouvida neste lado do mundo, que ainda hoje insiste em ouvi-la como entretenimento e diversão, alienado de sua razão necessariamente religiosa, ritualística e espiritual de ser.

Introduzir de forma fácil e agradável o ouvinte ocidental ao universo todo próprio da música indiana é o principal mérito do livro “A música clássica da Índia”, escrito pelo brasileiro Alberto Marsicano. Músico, poeta e tradutor, Marsicano constrói a narrativa deste livro a partir de sua própria experiência com a música indiana na ocasião em que estudou na Universidade de Benares. Nesta cidade ao norte da Índia, banhada pelas sagradas águas do rio Ganges, o autor teve aulas com importantes músicos, tais como Krishna Chakravarty e Pandit Ravi Shankar (que ficou muito conhecido no ocidente a partir de seu relacionamento com o beatle George Harrison).

Menos que um tratado sobre música indiana, o livro é sim um convite àqueles que nada sabem sobre a cultura indiana como um todo, e por isto pode frustrar as expectativas dos já iniciados. Em seu propósito de explicar o complexo sistema religioso e cultural que sustenta a música tradicional indiana, Marsicano pontua seu texto com pequenas citações e estórias oriundas deste povo que vive imerso num estado de profunda espiritualidade.

À parte a contextualização cultural de sua música, o autor também se detém na explicação técnica de aspectos da teoria que fundamentam a música indiana à luz da linguagem ocidental. Esta proposta se mostra especialmente interessante quando Marsicano traça paralelos entre o pensamento musical da Grécia da Antigüidade com a tradição indiana.

Porém a obra não se limita à explicação literária: o livro é acompanhado por um CD no qual o próprio Marsicano toca ao sitar alguns ragas, um dos principais gêneros de música indiana, acompanhado pela tabla de Edgar Bueno. Complementa ainda o CD pequenas “ocidentalizações”, tais como música de compositores europeus, como Debussy e Satie, ao som do singular instrumentarium indiano.

Foto: encontro entre o violinista Yehudi Menuhin com Pandit Ravi Shankar.

Serviço: “A música clássica da Índia”, de Alberto Marsicano.
Editora Perspectiva, 113 págs. + CD, R$ 36.
Clique e compre! (acredite, não estou ganhando nada com isto...)

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

12 dezembro 2006

Um olhar pelos bastidores da "nova Osesp"

Trabalho acadêmico faz interessante panorama sobre a construção da orquestra de John Neschling

Neste início de dezembro as estudantes de jornalismo Isabel Braga, Karin Hueck e Vivian Almeida defenderam na Faculdade Cásper Líbero seu trabalho de conclusão de curso, que tinha como objetivo investigar "a construção da nova Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo", a Osesp.

Sob a orientação do professor Celso Unzelte, em "Em grande escala" o texto apresentado por estas jovens estudantes (agora profissionais) é fluído e agradável de ler. Imediatamente o trabalho tornou-se a principal referência acadêmica para quem quer compreender o processo de reestruturação desta que é considerada a melhor orquestra brasileira.

Subsidiada por uma grande quantidade de depoimentos e pela pesquisa aos arquivos dos principais veículos de mídia impressa brasileiros, "Em grande escala" tem como partida a era a.N. (antes de Neschling) da orquestra, desde seus claudicantes primórdios até a agonia administrativa que fazia coro à própria agonia física dos últimos dias de vida maestro Eleazar de Carvalho, antecessor de Neschling.

Apesar de se propor a contar a história da construção da nova Osesp, o ponto forte do trabalho é ênfase nos dois grandes escândalos pelos quais a orquestra passou na era d.N., isto é, as demissões de músicos na crise de 2001 e a lambança do Concurso Internacional de Piano Villa-Lobos, realizado neste ano (também tratado pelo OutraMúsica no seguinte link).

Com potencial para maiores desenvolvimentos, fica-se na expectativa que este trabalho venha a ser publicado e que nossa escassa literatura musical possa ganhar uma significativa contribuição.

09 dezembro 2006

A diva que veio do frio

Cantora lírica russa Anna Netrebko lança álbum dedicado à música de sua pátria

Toda diva tem uma curiosa história de vida, mais ou menos picante, trágica ou simplesmente curiosa. A história da soprano russa Anna Netrebko não poderia ser mais improvável: antes de pisar no palco do teatro onde canta, a soprano passou muitas horas esfregando seus corredores e escadarias, nos tempos em que era uma simples faxineira do Teatro Mariinski, de São Petesburgo.

Mas, como toda a diva, Netrebko tem uma legião de fãs espalhados pelo mundo, sempre a cultuar a sua voz, bem como sua beleza física. Como toda diva, Netrebko tem também uma tropa de contestadores, que não se deixando amolecer por seu lânguido olhar que estampa seus CDs ou por sua comovente condição de gata borralheira, colocam alguns “poréns” a propósito de seu canto (“mais balança do que canta”, “sua pronúncia no italiano não é lá grandes coisas”, etc.).

Não importa. Diva alguma é unanimidade, e como toda diva ela vende, e muito. Freqüentemente todo um repertório passa a ser associado a esta diva, e com Netrebko não parece não ser diferente a partir de seu mais recente lançamento “Russian album”, no qual a interpreta árias e canções com textos originalmente escritos em russo, acompanhada pela Orquestra do Teatro Mariinski (aquele mesmo onde trabalhou com outro tipo de papel), regido pelo maestro Valery Gergiev.

Detentora de uma exuberância musical que dispensa maiores explicações, a recepção da música russa no ocidente sempre foi muito limitada no âmbito vocal. Enquanto que as sinfonias de Tchaikóvski, as sonatas de Prokófiev, os concertos de Rachmáninov e os balés de Stravínski gozam de ampla popularidade, a prática ocidental da música vocal russa sempre esbarrava no problema do idioma.

Apesar dos cantores líricos de qualquer nacionalidade (seja como solista, seja como coralista) estarem acostumados a cantar nos mais diferentes idiomas – tais como o latim, alemão, italiano, inglês e o francês – cantar em russo está longe de ser uma trivialidade.
Desta forma, o “Russian album” que Netrebko estrela interessa não apenas a seus fãs, mas aos admiradores da música vocal e da música russa como um todo. Nesta amostragem do canto em cirílico (nome do todo próprio alfabeto russo) as pequenas canções contidas no álbum são apenas um pequeno aperitivo do que realmente arrebata no repertório escolhido.

De todo o conjunto, são as árias das grandes óperas russas do Romantismo o que mais chamam atenção nesta bela seleção musical. Vide, por exemplo, a melancólica passagem extraída de “A noiva do Tsar” de Glinka, ou a belíssima cena da carta da ópera “Eugene Onegin”, de Tchaikóvski.

E, é claro, não deixe de ouvir a cena extraída da ópera “Guerra e Paz”, de Prokófiev, na qual Netrebko reserva uma bela interpretação de Natasha, a célebre heroína da obra máxima de Tolstói. Tudo indica, a Natasha de Netrebko poderá ser em breve conferida em DVD numa montagem a ser filmada no mesmo teatro em que a diva russa costumava se ajoelhar para lavar o chão da audiência que, hoje, ajoelha-se aos seus pés.
Leia abaixo a entrevista concedida por Anna Netrebko.
Serviço: “Russian album”, Anna Netrebko (soprano), Valery Gergiev (regente) e Orquestra do Teatro Mariinski. Deutsche Grammophon, aprox. 64 min., R$ 40 (nacional).
[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

E-mail entrevista com Anna Netrebko

Existem muitas lendas a respeito do início de sua carreira. Afinal, qual é a sua versão?

Tenho ficado um pouco cansada destas histórias. A verdade é que eu já estudava canto no Conservatório de São Petesburgo e trabalhava como faxineira no Teatro Mariinski apenas para ver o maior número possível de apresentações. Entretanto, eu fiz minha audição com o maestro Valery Gergiev como qualquer outra cantora, e foi assim que ele me descobriu.

Quais cantores você admira e os tomam como referência?

Renata Scotto e Mirella Freni, definitivamente. Em relação à Rússia, considero o maestro Gergiev meu padrinho musical.

Como foi para você gravar para platéia internacional uma parcela do vasto repertório russo que, na verdade, é pouco difundido?

Na última década a recepção da ópera russa no mundo foi progredindo de uma forma muito bonita: apenas dez anos atrás composições russas eram muito menos conhecidas do que são agora. Esta mudança ocorreu porque Gergiev e o Teatro Mariinski têm trabalhado duro para isto, e tem levado ao palco muitas montagens para além da Rússia. E eu estou muito orgulhosa em fazer deste maravilhoso desenvolvimento.

Existe algum papel que ainda não tenha cantado na ópera?

Bem, é sempre uma questão se um determinado papel é adequado a minha voz. Alguns papéis, como a “Tosca”, de Puccini, ainda não são para minha voz.

Do que gosta da música brasileira, seja ela clássica ou popular?

Eu não conheço muito a música brasileira, mas estou ansiosa para explorá-la. Tenho escutado alguns artistas brasileiros, como Tom Jobim e João Gilberto, e adoro suas gravações. E todo mundo conhece “Garota de Ipanema”, é demais! Eu também gosto de samba e adoraria ao menos uma vez assistir ao Carnaval.

Trata-se de um fato grandes cantores e cantoras de ópera vir ao Brasil apenas após o ápice de suas carreiras. Quais são seus planos para nós?Eu adoraria cantar no Brasil. Infelizmente, tenho uma agenda muito carrega, mas espero em breve poder cantar por aí.

Foto: Anna Netrebko com seu assessor de imprensa, preparando-se para mais uma entrevista coletiva.

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

04 dezembro 2006

"Para falar de música"

João Sampaio, do Estado de São Paulo, agora pode também ser lido na "blogosfera".

Para quem me conhece um pouco ou leu, ainda que por cima, minha "biografia", já deve ter percebido que eu comecei minhas atividades na imprensa totalmente ao acaso (mas parece ser justamente as coisas do acaso as belas coisas da vida. Enfim, agora não é hora de falar disto... rs).
Bem, de toda esta ainda incipiente experiência uma coisa que desde o princípio me chamou a atenção foi a generosidade com que fui recebido por muitas pessoas - hoje "colegas de trabalho" - há muito mais tempo na labuta, com uma grande experiência, domínio de texto, contatos, etc.

Assim foi também com João Sampaio, que depois de alguns encontros rapsódicos, passei a travar maior contato a partir do Festival Amazonas de Ópera do ano passado. A partir de então, de fato concretizei minha admiração pela pessoa por detrás dos textos que escrevia: jovem, independente, grande amante da música, da ópera, de Verdi, de "Don Carlo"...

Nos encontramos poucas vezes, em geral, nos ambientes enfumaçados e ruidosos das ante-salas de teatros e afins. Mas não há uma única vez em que não engatemos uma conversa menos que interessante. E creio que agora um gostinho destes bate-papos poderão ser compartilhados por todos a partir do blog que João Sampaio começou a editar, o "Para falar de música", cujos posts iniciais já dão uma pequena idéia do que são estas conversas com este grande sujeito. Se você gosta de música, vá, veja, leia e coloque este blog nos "Favoritos" de seu navegador. Eu já coloquei...

30 novembro 2006

Sob a cólera de Mnemósine

Impressões sobre quase tudo com quase nada:
Ópera -
"O homem que confundiu sua mulher com um chapéu"


Foi para perpetuar o triunfo dos deuses do Olímpo sob os titãs - por meio do canto e da poesia - que Zeus copula com a deusa Mnemósine ("Memória"), gerando suas filhas, as musas, palavra da qual a própria música está intrinsecamente ligada. Música e memória são elementos complementares e mesmo indissociáveis.

Assim, acaba sendo um fato de estranha ironia um músico que preserva toda sua capacidade mnemônica musical mas, pelo outro lado, é totalmente privado deste recurso no campo visual. Sob a cólera da ciumenta de Mnemósine o Dr. P, cantor e professor de música, perde gradualmente sua "memória" visual. Agnosia. A visão torna-se uma armadilha da qual apenas as filhas da deusa grega servem como guia e arma de defesa.

Estupendamente interpretado por Stephen Bronk, Dr. P nega a todo custo o que se passa, e tenta fazer piada das tristes limitações que adquiriu e dos ridículos que elas o colocam. Ao final de todo processo, sua expressão, antes altiva (típica daqueles que acreditam estar passando por um inofensivo problema de saúde), toma ares de uma sandice sagrada, a partir da qual todos que o cercam se vêm obrigados a entendê-lo por sua perspectiva.

Entender o outro pelo seu olhar enfermo é o percurso a ser trilhado por sua mulher, Mrs. P e por seu médico, Dr. S. Intepretados pelas belas vozes de Flávia Fernandes e Martin Mühle (respectivamente), uma procura, em vão, distorcer a si mesma para moldar o mundo sob a ótica do marido, o outro, misto de encanto e horror com o que testemunha, procura explicar algo jamais registrado na memória da medicina.

Cenários virtuais e figurinos belos, eficientes e cativantes. Fábio Zanon, estreando como regente, ainda conduz com um leve quicar das pernas e alguns gestos típicos de quem está se familiarizando com o ofício. Mas missão cumprida e no aguardo de novas oportunidades.

De tantas coisas belas e interessantes desta obra inspirada no livro homônimo de Oliver Sacks, o que acaba decepcionando é justamente a música composta por Michael Nyman. Um minimalismo simplista, tediante, que na melhor das hipóteses serve como uma metáfora sonora do inferno vivido pelos personagens. O único oásis em meio a tanta indigência harmônica surge, ironicamente, quando mais uma vez Mnemósine é evocada pelo flanar musical de Schumann.

E é aí que se realiza a vingança final da deusa grega: advinhe qual música você se lembrará ao sair do espetáculo e qual será consumida pelo apetite voraz da amnésia?

27 novembro 2006

Na luta pelo Movimento.com

Anos atrás, iniciava meu curso de mestrado, cheio de idéias (e angústias) na cabeça, curtindo a vida musical de Sampa que na época vivia sua lua-de-mel com a Osesp, com as sociedades de concertos a mil e um cotidiano clássico difícil de acompanhar. Já nesta época já tinha o desejo de "cronicar" (existe este verbo para a palavra crônicas? rs) algumas das coisas que via e ouvia.

Na época eu já conhecia o Movimento.com, site hospedado na Cidade Maravilhosa. Um dia meu amigo e hoje maestro Guilherme Mannis me disse que estava escrevendo críticas para o site e me perguntou se não me interessava em escrever nele também. Achei a idéia cativante, mas não aceitei de pronto. O que me moveu a escrever a minha primeira crítica foi a apresentação do Concerto para Violino e Orquestra, de Alban Berg, pela Osesp.

Toda aquela experiência estética não cabia dentro de mim, e ali mesmo, no saguão da Sala São Paulo, disse ao meu amigo que escreveria sobre o concerto.

Desde então, a trancos e barrancos, não parei mais, e minha vida ganhou uma nova dimensão nesta apaixonante (e por isto mesmo perigosa) atividade, que desenvolvo paralelamente à composição e à vida acadêmica. Conheci muita gente bacana, ganhei novos amigos e vivenciei coisas que me acompanharão o resto da vida.

Muita água passou desde então. Passei a trabalhar para outros veículos de informação, nunca perco de vista que tudo começou no Movimento.com. Gerenciado a duras penas por Antônio Rodrigues, figura alegre e cativante que tive a oportunidade de encontrá-lo ao vivo apenas uma vez e de quem sempre pagarei gratidão pela oportunidade dada.

Pois bem, como é comum no Brasil, o site em questão está na berlinda pelo problema mais "clássico" no mundo "clássico" brasileiro: a falta de grana, l'argent, das Geld, money, $$$!

Pois bem, faço aqui o que me é possível, integrando a corrente de luta pelo Movimento.com. Para saber mais e ajudar este importante site, acesse www.movimento.com. A cultura brasileira agradecerá.

19 novembro 2006

Memória e “estórias” da ópera.

Pesquisador da ópera Sergio Casoy lança dois títulos dedicados ao gênero.

Em todo lugar do planeta, o mundo da ópera parece constituir um colorido universo paralelo, à parte do mundo real e das cores cinzentas da realidade. Como todo universo paralelo, a ópera tem seus próprios habitantes: cantores, cenógrafos, figurinistas e outras funções difíceis mesmo de nomear. Mas nada se compara àqueles que simplesmente são apaixonados por ópera. Não se trata de meros espectadores, mas sim pessoas vão a todas as montagens existentes, cruzam fronteiras internacionais para ver uma montagem promissora, conversam com fluência sobre divas das mais diferentes épocas e possuem um verdadeiro acervo áudio-visual, com diversas versões de suas óperas prediletas.

Freqüentemente, trata-se de um caminho sem volta, e alguns chegam mesmo a mudar completamente seu curso da vida profissional para vivenciar o maravilhoso mundo canto lírico. É este o caso de Sergio Casoy, engenheiro de formação, mas pesquisador da ópera por vocação e paixão. Professor de história da ópera na USP e no comando do programa de rádio “La Canzone Italiana” da Cultura FM de SP, outra faceta desta profissionalização da paixão de Casoy pode ser agora conferida no livro “Ópera e outros cantares”, e em breve, em outro livro a ser lançado no início do ano que vem: “Ópera em São Paulo: 1952-2005”.

Lançado neste semestre, “Ópera e outros cantares” reúne 52 textos sobre ópera ou outros gêneros vocais (como missas e lied), boa parte deles originalmente escritos como “notas do programa” de importantes temporadas paulistanas, tais como o Theatro Municipal, o Theatro São Pedro e a OSESP.

Reunidos em capítulos temáticos (“As óperas do Classicismo”, “A ópera no século XX”, etc.) os textos não se detêm sobre os aspectos técnicos ou sobre o enredo de uma determinada ópera, mas sim se debruça de forma acessível e cativante sobre os “causos” que circundam uma determinada obra, seu contexto histórico e as motivações pessoais do compositor. Diferentemente de uma História, as estórias contadas por Casoy são de interesse tanto do iniciado como daquele que queira adentrar pelas portas do teatro de ópera.

Mas, paralelamente a esta obra de interesse geral, com o livro “Ópera em São Paulo: 1952-2005” Casoy preenche uma lacuna muito específica e importante da cultura musical brasileira. Mais do que um livro para ser lido, é uma obra para ser consultada por qualquer um que se interesse por música e ópera no Brasil.

A partir do feito realizado em 1954 por Paulo Cerquera, com o fundamental “Um século de ópera em São Paulo” – que cobre a história da ópera paulistana até a mítica temporada de 1951, que contou com nomes como Maria Callas e Renata Tebaldi – Casoy mapeia toda a produção operística realizada desde então, realizando um importante levantamento estatístico de obras, compositores e, principalmente, cantores.

Porém, engana-se quem pensa que esta sistematização resulta numa obra hermética voltada apenas para especialistas. Além de textos sobre a história da ópera paulistana no período em questão, o autor tempera o trabalho com entrevistas com importantes personagens desta trajetória, além de fotos de programas, cantores e encenações que nos últimos cinqüenta anos passaram pelos palcos de São Paulo, uma época em que ela ainda era a terra da garoa.

Abaixo, leia na íntegra a entrevista concedida por Sergio Casoy.

Serviço: "Ópera de outros cantares” (Perspectiva, 442 págs., R$ 64) e “Ópera em São Paulo: 1952-2005” (Edusp, 593 págs., a ser lançado no início de 2007).
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Fotos: 1) O Theatro Municipal de São Paulo nos tempos das carroças. 2) Elenco da montagem de 1966 da "Madama Butterfly", de Puccini, também no TMSP.

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

18 novembro 2006

Entrevista com Sergio Casoy

Como começou sua relação com a ópera?

Quando era criança, com menos de dez anos de idade, morava no Brás, cercado de música italiana por todos os lados. Não havia televisão em casa ainda, e a sala era dominada por aquele móvel fabuloso, a inefável radio-vitrola, cujos escaninhos inferiores continham álbuns de couro que abrigavam os discos de 78 rpm, uma seleção variada de vozes, Enrico Caruso, Tito Schipa, Francisco Alves e Carlos Gardel, entre outros. Aí começou a paixão pela beleza da voz, pois não tinha a menor idéia do que se tratava, não entendia a língua e não tinha a mais remota idéia do que estavam dizendo, mas estava fascinado com as vozes, e foi o ponto de partida que depois me levou para o canto lírico.

E é um fascínio que se mantém inalterado até hoje, pois ouço hoje estes discos e a emoção é a mesma que sentia em minha infância. Lá pelos dezoito anos estas músicas começaram a me suscitar dúvidas. Queria saber a diferenças entre uma ária e um canzonetta napolitana. Foi então que descobri que elas faziam parte de um mosaico maior que é a ópera. Daí foi um pulo para comprar meus primeiros LPs contendo uma ópera completa: um “Rigoletto”, de Verdi, com Maria Callas, Tito Gobbi e Giuseppe di Stefano. A partir de então fiquei extremamente apaixonado pela maneira de se contar uma história extremamente dramática totalmente cantada. Acho que tive uma grande sorte de escolher de início uma grande ópera com grandes cantores, pois se tivesse escolhido uma “Salomé” [de Strauss] com cantores tchecos de segunda categoria, hoje provavelmente seria roqueiro.

A partir de então, sempre que sobrava um dinheiro ia até uma loja chamada Melodisc, na Av. São João quase esquina da Ipiranga, cujos balconistas entendiam do riscado, e sugeriam discos com os quais comecei a estabelecer meu padrão de canto favorito e reter árias e trechos na memória.

O próximo passo foi começar a freqüentar o Theatro Municipal e a assistir as encenações destas óperas que ouvia em disco. Mas, no princípio, as encenações não mexiam muito comigo. Ficavam esperando o momento em que aquelas árias famosas iriam aparecer, e aí as comparava com as que ouvia em casa. Mas não tardou muito para eu me encantar pela beleza geral da ópera.

Nestes últimos trinta e seis anos houve pouquíssimas óperas que não assisti. Muitas vezes assisto a mais de uma apresentação, além de ensaios. Eu recomendo a todo mundo a assistir a um ensaio para entender melhor como certas coisas são construídas.

Como nasceu a idéia deste livro “Ópera em São Paulo: 1952-2005”?

Foram dois os motivos. O primeiro, da necessidade de encontrar informações de que eu precisava e não achava – muitas vezes ficava dependente da memória das pessoas e com informações muito confusas. O segundo, e a mais importante, é meu interesse em preservar a memória de meus amigos cantores. Percebi que uma geração inteira – à qual pertence Benito Maresca, Andrea Ramus, entre tantos outros – que jamais foi convidada para fazer uma gravação comercial decente, que capturasse suas vozes no auge de suas carreiras. Assim, quis ao menos preservar seus nomes e carreiras, no contrário, eles desapareceriam. Mas tudo isto começou com o levantamento completo de suas temporadas que o Museu do Theatro do Municipal de São Paulo iniciou anos atrás. No livro expandi esta idéia para toda a cidade, catalogando montagens de óperas completas, não apenas do Municipal e outros teatros, mas também em lugares inusitados, como estádios, clubes e igrejas. Possivelmente alguma coisa possa ter escapado, mas acredito ter chegado a bom resultado.

Qual foi a maior dificuldade que teve?

Foi conseguir encontrar as representações fora do Theatro Municipal. Para isto tive que valer da memória incerta das pessoas, mas que me indicaram modos de conseguir informações mais precisas, em especial, pessoas que colecionavam programas e que então me forneceram uma base documental ao trabalho. Todas as montagens de ópera que constam no livro foram inseridas a partir desta base documental. Não tem nada na base do “ouvi falar”. Durante a busca lidei com as mais diferentes situações, desde encontrar coisas abandonadas em porões úmidos até arquivos muito bem organizados, como se estivessem a minha espera.

Que fato da ópera paulistana destacaria destes 53 anos abordados pelo livro?

Na verdade, a coisa mais surpreendente deste trabalho foi a descoberta da encenação de uma ópera armênia levada ao palco em 1950, e que tecnicamente não deveria estar no livro. Trata-se de “Anush”, de Armen Tigranyan, que é para os armênios aquilo que “Il Guarany”, de Carlos Gomes, é para os brasileiros. Foi uma coisa impressionante descobrir que um dentista armênio ensaiou músicos amadores e encenou esta ópera em pleno Theatro Municipal, que sequer tinha esta montagem catalogada em seus arquivos. E isto foi cerca de trinta anos antes dela ser estreada nos EUA! Mas o mais interessante de tudo isto é mostrar o quanto por meio da ópera fica claro perceber o quão vibrante era a vida nesta cidade entre as décadas de 1950 e 60, antes que um certo marasmo intelectual invadisse nossas praias e do qual parece que estamos nos libertando agora.

Das inúmeras óperas que assistiu ao longo destes anos, qual a montagem que mais lhe emocionou?

Eu me lembro com uma intensidade muito grande de uma “Lucia di Lammermoor”, de Donizetti, protagonizada em 1989 pela soprano Kathleen Cosselo. Esta moça tinha uma voz maravilhosa e um defeito físico: uma perna levemente mais curta que a outra, o que a obriga a mancar. Ela então usou esta deficiência para incorporar uma Lucia vacilante. A cena da loucura foi feita uma escada caracol. Ela enlouquecia lá no alto e ia fazendo coloraturas na medida em que ia parando nos degraus. Quando ela já estava no proscênio, ao terminar a cena, eu nunca vi o teatro levantar daquele jeito. As pessoas já nem aplaudiam, mas sim sapateavam, batendo os pés nos chãos. O frenesi tomou conta da platéia. Foi uma coisa impressionante.

Por outro lado, assistiu alguma montagem realmente ruim?

Foi o “Don Carlo”, de Verdi, encenada em 2004 com a direção de Gabriel Villela. O maestro Ira Levin regeu magnificamente, e os cantores foram medianos. Mas a direção de cena arrebentou completamente a obra. Isto serve de lição para um teatro de ópera tomar cuidado ao utilizar um diretor renomado no teatro de prosa, mas que não entende de música.

A segunda bobagem digna de citar é a montagem de “Salomé”, de Strauss, dirigida pela cineasta Ana Carolina, na qual Jokanaan é colocado numa gaiola de hamster, o que tornou uma coisa dramática em algo grotesco e hilário, além do fato de transformado a “Dança dos Sete Véus” na dança da “boquinha da garrafa”.

Seu livro, bem como a obra de Paulo Cerquera, concentra-se na produção paulistana. São Paulo é a capital da ópera brasileira?

Hoje não é mais, infelizmente. Poderia ser. Tem potencial, tem cantores, tem vontade, mas alguma coisa que não entendo direito impede as coisas de funcionarem como deveriam. Há o eterno problema da falta de recursos, pois ópera é um espetáculo caro que precisa de subsídios. Apesar da constância com que o Theatro Municipal tem programado ópera, e mais recentemente o Theatro São Pedro, a cidade não tem uma temporada, mas sim “eventos”, o que é preocupante. Isto é, quando se resolve fazer uma ópera, são apenas uns três ou quatro dias. A coisa acaba, você mal percebe o que aconteceu e pode ser que você nunca mais volte a ver aquela montagem. O que precisamos aqui é implantar o sistema de “teatro de repertório”, tal como existe em Nova Iorque, Milão e outros centros operísticos, pois isto inclusive acaba barateando o custo geral de uma temporada. Outro problema sério é que a política cultural e o comando dos teatros mudam cada vez que muda o governo. E não há teatro de ópera de resista a isso. Hoje, em 2006, já se deveria estar preparando a temporada de 2011!

Sua relação pessoal com a ópera e com profissionais deste universo em algum momento lhe colocou numa saia justa?

Sim. Certa vez fui muito amigo de um cantor que me pediu que assistisse uma apresentação sua e anotasse todas as suas falhas, pois ele queria uma opinião sincera. Bem, ele estava respirando errado, cantado um repertório que não era adequado para sua voz, etc. Desde este dia ele não fala mais comigo. A partir de então, quando um espetáculo é muito ruim, vou embora logo após o término, e quando a apresentação é boa vou aos camarins cumprimentar todo mundo.

Quais as principais mudanças que as montagens de ópera em São Paulo passaram ao longo destes cinqüenta anos?

Décadas atrás era evidente o predomínio absoluto do cantor e da voz. A partir da década de 1960 começa a ser notada de forma mais contundente a presença do diretor de cena. Isto foi em decorrência da imposição de um conceito de beleza vindo do cinema e da televisão, exigidos pelos mais jovens dentro do teatro de ópera. Hoje a direção de cena é algo tão importante quanto a parte musical. O problema é que muitas vezes a atuação física do cantor mascara uma incapacidade ou deficiência técnica ou musical. Mas isto não se limita a São Paulo, pois se trata de um fenômeno mundial. Eu me pergunto se cantores como Beniamino Gigli e Jussi Bjoerling, ou outros de uma geração que fizeram tudo apenas com a voz, fariam tanto sucesso hoje em dia.

Que perspectivas você imagina para o futuro da ópera no Brasil?

Tenho dito que nunca vi em todos esses anos a presença de tanta gente jovem no teatro, o que me deixa extremamente feliz. Temos atualmente estudantes de canto que são absolutamente brilhantes, futuros promissores, mas que precisam de apoio. Se estes potenciais puderem se desenvolvem, creio que teremos belos momentos que há muito tempo não temos por aqui. Existe um terreno extremamente fértil, e se ele for cultivado, não faremos feio aos principais centros operísticos do mundo.

Após ter concluído dois livros sobre ópera, quais são seus projetos para o futuro?

Um é um dicionário biográfico de cantores de ópera (brasileiros e estrangeiros) e outro é escrever um romance ambientado na São Paulo dos anos 50, uma história de mistério, com uma soprano sendo assassinada antes de entrar em cena. Mas trata-se de planos a muito longo prazo.

15 novembro 2006

Ratos num jogo de espelho

Impressões sobre quase tudo com quase nada:
Cinema -
"Os Infiltrados"

É como numa grande tragédia. Personagens de caracteres diferentes, mas que agem de forma muito semelhante, ainda que por seus avessos. O mocinho espanca e tortura. O vilão age apenas por telefonemas e conversas. Colocados defronte ao espelho não dá pra saber quem é quem, e perde-se mesmo a noção de que lado do espelho se está. Daí nasce a angústia, as confusões, os conflitos. Mas, no íntimo, todos sabem a que lado pertencem. Ratos são ratos, e como tais não conhecem a moral e as regras de boa vizinhança humanas. Fazem o que devem ser feito, fazem aquilo que está em seu sangue. Róem e consomem tudo e a todos em seu caminho. Seja do lado da lei, seja do lado do crime, sua função é indiferente aos propósitos que servem. Num filme trágico, a morte torna-se essencial, e muitas vezes, banal. Mas o canibalismo final - ainda que envolva apenas ratos devorando-se mutuamente - é chocante, terrível, necessário e grandioso, e por tudo isto, belo.

["Os Infiltrados"
/"The Departed", dirigido por Martin Scorsese, com Jack Nicholson, Matt Damon, Leonardo di Caprio e Mark Walhberg]

06 novembro 2006

Pequenas Tragédias

Textos de Púchkin ganham tradução inédita, feitas a partir do russo

“Os médicos asseguram: há pessoas / Que encontram prazer em matar. / Quando coloco a chave no cadeado, / Eu sinto o mesmo que eles devem sentir / Ao cravar a faca na vítima: uma mescla / De medo e prazer. / Eis meu êxtase!”, diz o avarento Barão, embriagado de usura diante de seus cofres cheios de ouro que, ele bem sabe, é o resultado de muito sofrimento alheio: “Sim! Se todo o sangue, suor e lágrimas / Versados por tudo que está aqui guardado / Voltassem a sair das profundezas da Terra, / Então teríamos um segundo dilúvio. E eu me afogaria / Em meu próprio porão [...]”.

Entre os dias 23 de outubro e 6 de novembro de 1830 o escritor e dramaturgo russo Aleksandr Púchkin escreveu uma série de cenas dramáticas que chamam atenção não necessariamente pelas histórias que narram, mas sim pela maneira como as conta e pelo modo com o qual constrói seus personagens por meio de seus versos. Passado mais de um século desde seu surgimento, o público brasileiro finalmente tem acesso a essas delicadas jóias da literatura russa no livro “Pequenas Tragédias”, título pelo qual o conjunto das cenas passou a ser conhecido.

Figura fundamental na literatura internacional, considerado o “pai” da poesia russa, Púchkin é o autor de obras monumentais, tais como o romance em versos “Ievguêni Oniéguin” e o drama “Boris Godunov”. Entretanto, parte significativa de sua produção encontra-se em obras de pequenas proporções, tal como é o caso das “Pequenas Tragédias”, traduzidas por Irineu Franco Perpetuo.

O título reúne as quatro cenas que Púchkin escreveu durante uma estada forçada numa propriedade campestre que acabara de herdar: “O Cavaleiro avarento” (de onde foi extraído o trecho acima), “Mozart e Salieri”, “O convidado de pedra” e “O festim nos tempos da peste”.

O que reforça a idéia de que a escrita de Púchkin é o cerne desta pequena obra é que ele não é o autor do argumento original destas cenas (inclusive, nenhuma delas é ambientada na Rússia): a primeira é uma possível referência ao “O avarento” de Molière e a última é quase uma tradução da peça “The city of plague” de John Wilson. No conjunto, o que mais chama atenção é presença da música, seja pela tragédia “Mozart e Salieri” (uma dramatização a partir do boato inverídico do assassínio de Mozart pelo compositor italiano Antonio Salieri) e pelo “O convidado de pedra”, uma referência reconhecida pelo próprio Púchkin à ópera “Don Giovanni”, também de Mozart.

Tamanho requinte na escrita de Púchkin faz de sua tradução um desafio ainda maior. “Púchkin é um autor muito simples e direto. A dificuldade é reproduzir essa simplicidade, sem cair no banal”, diz Franco Perpetuo.

O tradutor, mais conhecido por seu trabalho como jornalista e crítico musical, reforça os laços desta empreitada pela perspectiva musical. “Podemos dizer que todos os textos têm ligação com música, porque foram transformados em óperas por compositores russos. E não foram ‘adaptados’: o texto de Púchkin foi utilizado diretamente como libreto”, diz Franco Perpetuo referindo-se às óperas compostas sobre as “Pequenas Tragédias”. De fato, cada pequena tragédia recebeu uma versão musical pelas mãos de diferentes compositores e estilos musicais: Rachmáninov (com “O Cavaleiro avarento”), Dargomijski (“O convidado de pedra”), César Cui (“O festim nos tempos da peste”) e Rímski-Kórsakov, com “Mozart e Salieri”, que este ano foi apresentado no Brasil nos festivais de Campos do Jordão e no de ópera de Belém.

De todas as pequenas tragédias, “Mozart e Salieri” foi a que mais se notabilizou, tanto musicalmente como dramaticamente. Tendo como ponto de partida os rumores que Salieri teria envenenado Mozart em virtude de uma inveja peçonhenta, Púchkin tece uma bonita reflexão sobre a natureza da inveja humana, em especial, a do tipo mais virulento, que é aquela que nasce da extrema admiração que o invejoso tem sobre o invejado. “[...] E foste capaz de parar na taverna / Para ouvir um violinista cego! Deus! / Tu, Mozart, és indigno de ti próprio!” diz a certa altura o fictício Salieri ao igualmente fictício Wolfgang Amadeus.

Aliás, é o “Mozart e Salieri” de Púchkin que estabelece o padrão ficcional a estes compositores (Salieri o sisudo, Mozart o irreverente) e que será posteriormente utilizado pelo dramaturgo inglês Peter Shaffer na peça “Amadeus”, que em 1984 foi levada ao cinema sob a direção de Millos Forman.

O compositor de Salzburg está também presente, ainda que de forma implícita, na tragédia “O convidado de pedra”, que tem como enredo as horas finais do conquistador espanhol Don Juan, que ganhou notabilidade no mundo da ópera com “Don Giovanni”, composta por Mozart sob libreto de Lorenzo da Ponte. Como não pensar na canzonetta “Deh, vieni alla finestra” (que o Don Giovanni de Mozart canta para seduzir mais uma mulher) quando a personagem Laura da peça Púchkin canta uma música que confessa ter aprendido com Don Juan?

Apesar dos indícios que parecem configurar um verdadeiro pacto musical, as “Pequenas Tragédias” mantém sua autonomia poético-dramática à parte qualquer sugestão extra-literária suscitada. Paralelamente à dimensão poética, sua beleza e interesse reside também no fato de Púchkin reduzir a ação dramática às proporções diminutas e concisas do conto, e tal como num conto, sua força advém justamente de sua brevidade e pela densidade das emoções que seus versos trazem consigo.

Serviço: “Pequenas Tragédias”, de Aleksandr Púchkin.
Tradução: Irineu Franco Perpetuo. Globo Livros, 125 págs., R$ 20.

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[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

Foto: Por Luiz Carlos Lacerda da montagem do espetáculo "Mozart e Salieri" no Festival de Ópera do Theatro da Paz (Belém, PA) de 2006.

28 outubro 2006

Mozart sob a luz da emoção

Orquestra “Les Musiciens du Louvre” conquista o público brasileiro em concerto memorável.

Aparentemente, o programa em si não trazia nada de excepcional: Mozart, as célebres sinfonias 40 e 41 e o balé final da ópera “Idomeneo” como introdução ao concerto. Trata-se de sinfonias que são em si excepcionais e que por décadas foram exaustivamente gravadas pelas mais diferentes orquestras e regentes. Tamanha repetição parece ter ocultado a cor e o brilho destas obras, então escondidas por detrás do verniz sintético de instrumentos musicais acusticamente “eficientes” e nos moderníssimos equipamentos dos estúdios de gravação.

E, de repente, foi como se uma névoa se dissipasse, deixando a paisagem mais nítida e clara.

Foi esta a experiência que o grupo “Les Musiciens du Louvre” proporcionou esta semana a sua audiência no encerramento da temporada da Sociedade de Cultura Artística. Fundada em 1982 por Marc Minkowski – seu atual regente e quem conduziu o grupo nesta que é sua primeira incursão no Brasil – a orquestra francesa está inserida dentro do segmento por vezes designado como performance histórica, que desde o início de século passado tem por meta o trabalho sobre um repertório anterior ao Romantismo por meio de instrumentos e técnicas de execução historicamente orientadas, isto é, condizentes com os recursos e conceitos existentes à época de sua criação.

O movimento da performance histórica tem uma trajetória própria, cheia de controvérsias e debates. Entretanto, uma de suas questões mais fundamentais é a fronteira entre “execução” e a “interpretação”. Isto é, até que ponto deve-se seguir supostas regras de execução para, então, lançar mão de idéias e gostos individualizados, necessariamente arbitrários e injustificáveis sob o idealismo no resgate da intenção original do compositor (como se isto fosse concretamente possível e mesmo relevante)?

Nestes termos, a beleza do concerto residiu justamente na transcendência da performance histórica à condição de interpretação musical: viva, idiossincrática e emocional.
De um lado, a importância de utilizar instrumentos históricos ficou evidente no re-equilíbrio da balança tímbrica orquestral, em especial, nos instrumentos de sopros de madeiras, que ora soaram mais sutis, ora imprimiram uma nova cor aos tuttis. Por sua vez, as cordas encontraram um delicado equilíbrio, fugindo tanto da lentidão paquidérmica das orquestras tradicionais como da sonoridade asséptica de certas execuções que se norteiam por critérios históricos.

Tudo isto possibilitou ao grupo uma agilidade que foi intensamente trabalhada por Minkowski. Regendo de cor, ele não apenas acelerou a velocidade geral dos diferentes movimentos, mas também brincou de forma inteligente e emocional com elas (vide sua estupenda interpretação do segundo movimento da sinfonia 41).

Às favas se aqui ou acolá uma trompa não atacava a nota de maneira precisa ou se a afinação do oboé parecia vacilante. Num ideal de música calcado pela visceralidade da experiência artística, minúcias como estas são apenas as pequenas imperfeições que toda perfeição deve, necessariamente, trazer consigo.

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

O "problema" da ópera no Brasil

Estréias de espetáculos dão novo fôlego à produção cênica nacional.

Num mar que raramente está pra peixe, foi uma verdadeira bonança: em menos de um mês vimos estrear nada menos que três óperas compostas por compositores brasileiros e, fato de relevância, produzidas e apresentadas em solo nacional: no final de setembro estreou em São Paulo “A Tempestade”, de Ronaldo Miranda e, no Rio de Janeiro, “Kseni: a Estrangeira”, de Jocy de Oliveira (que fez este mês uma pequena temporada paulistana). Por fim, esta semana estreou no Theatro Municipal de São Paulo a ópera “Olga”, de Jorge Antunes, que poderá ainda ser conferida nas récitas de hoje e de domingo.

O bom comparecimento do público a estes espetáculos demonstra o quanto o gênero está vivo em nossa cultura musical e o quanto os nossos compositores são subestimados por produtores, diretores artísticos e espécies afins. Cada qual com seu estilo e proposta, os músicos brasileiros demonstram que têm muito a contribuir para ópera como um todo. À parte o valor intrínseco que cada uma destas obras trazem consigo, cabe neste momento tão especial analisar como os nossos compositores têm enfrentando o “problema” que é compor ópera em pleno século XXI.

Gênero cujos primórdios datam do início do século XVII, ao longo do tempo a ópera passou por transformações constantes, em parte explicadas pelos diferentes contextos sociais e ideais estéticos inerentes aos diversos períodos e estilos da história da música no ocidente.

No início do século XX, quando a própria tradição da música clássica se viu numa encruzilhada por conta do colapso do sistema tonal enquanto linguagem de vanguarda, a ópera, por sua vez, se encontrou numa situação igualmente instável. Frente ao novo estilo de vida cotidiano e aos diversos tipos de entretenimento eletrônico que gradualmente passaram a dominar a cena artística (incluso aí o cinema) haveria ainda lugar para esta forma tão antiga de narrativa musical?

A resposta dada por diversos compositores foi “sim”. Porém, esta afirmativa trazia consigo a necessidade de desenvolvimento da linguagem operística e a busca de um outro patamar de entendimento de espetáculo dramático-musical. Cabia, enfim, a cada compositor que se aventurasse pelas veredas da ópera dar sua contribuição para a resolução de seu “problema”, isto é, garantir que este gênero tradicional mantivesse seu interesse na contemporaneidade.

A necessidade do desenvolvimento da linguagem operística é o tema do pequeno artigo “Das Opernproblem” (literalmente, “O problema da ópera”), do compositor austríaco Alban Berg (1885-1935), que apesar de escrito em 1928, mantém sua pertinência e pode nos ajudar a entender o porquê da diversidade encontrada nas recentes produções brasileiras.

Quando questionado sobre o que pensava sobre o desenvolvimento da ópera, gênero ao qual legou as obras-primas “Wozzeck” e “Lulu”, Berg respondeu: “a mesma coisa que penso sobre todo o desenvolvimento nas artes: que um dia uma obra-prima apontada para o futuro será escrita e que somente então teremos base para falar de ‘desenvolvimento’ da ópera”. Porém, quais são os elementos que esta messiânica obra-prima deve trazer consigo? Ou em outras palavras, o que seria modernizar a escritura operística?

Berg não responde que elementos são estes, mas sabe muito bem quais não são: “O uso de mídias modernas – tais como o cinema, teatro musical, alto-falantes e jazz – garante apenas que tal obra seja moderna [no sentido cronológico]. Mas isto, na verdade, não pode ser considerado um avanço”.

De fato, o uso novos recursos tecnológicos e mediáticos foi presença marcante em “Olga” e “Kseni”. Mas, apesar disto, seu uso foi em si tradicional, seja no aspecto visual (enquanto simples cenografia virtual) seja no sonoro (enquanto amplificação e ambientação sonora). Mesmo em “Kseni”, na qual uma das cenas prevê o uso exclusivo do discurso musical eletroacústico, este recurso poderia ter sido explorado de forma mais plena, seja em sua dimensão sonora, seja em sua dimensão espacial.

Composta sob encomenda da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo (na ocasião, regida por Abel Rocha) “A Tempestade”, de Ronaldo Miranda, é, entre as três, a que mais se relaciona com a noção tradicional de ópera. Utilizando um tipo de escritura tonal (que em muito a aproximou dos famigerados musicals norte-americanos), seu elo com a tradição é também sustentado pela própria estruturação musical de seus números e pela linearidade de sua narrativa, construída a partir da peça homônima de Shakespeare. Apesar das restrições que as opções de Miranda possam suscitar à luz dos desenvolvimentos pelos quais a música já passou ao longo do século XX, é notável a fluidez de sua escritura com o canto lírico em português.

Aliás, a pouca ênfase no canto é um dos aspectos que mais chamam atenção nas demais produções.

Sob a regência de José Maria Florêncio, a estréia de “Olga” era um dos eventos líricos mais aguardados desta temporada brasileira de ópera. Com libreto de Gerson Valle, o compositor Jorge Antunes pôs em cena a história de vida da militante comunista Olga Benário (representada pela soprano Martha Herr) figura histórica que ganhou projeção nacional a partir da biografia de grandes sucessos literários e cinematográficos.

Mais do que uma ópera no sentido tradicional, a obra de Antunes se relaciona muito mais com o discurso teatral em si, no qual os números vocais surgem de forma apenas pontual. A partir disto, a partitura se aproxima muito mais com a prática da música incidental do que com a ópera propriamente dita. Isto ocorre por conta presença extensiva de diálogos e em recitativos rítmicos nos quais orquestra freqüentemente limita-se a dar um suporte sonoro à cena. Seria uma retomada do antigo ideal da ópera florentina do século XVII, na qual a palavra reinava absoluta sobre a música?

Esta ênfase dada palavra é também marcante em “Kseni”, cuja montagem foi dirigida cênico e musicalmente por sua compositora, Jocy de Oliveira. Das três óperas, “Kseni” é a obra que mais se distancia da noção clássica, na qual a narrativa linear em torno do mito de Medea dá lugar a reflexões sobre elementos simbólicos presentes na leitura deste mito grego. Desta forma, ao invés de teatro, o palco se metamorfoseia num altar dedicado a Medea, onde o músico desenvolve o papel de sacerdote e a ópera ganha dimensão de liturgia secular. Aqui o canto não é canção, mas sim um som ritualístico, acompanhado por um pequeno conjunto instrumental cuja escritura abusa de certos clichês comuns na música de vanguarda.

Mas com tamanha pluralidade artística, qual caminho escolher para levar adiante o desenvolvimento da ópera moderna. Mais uma vez, Berg responde: “Mas tem que sempre haver desenvolvimento? Não é suficiente a oportunidade de fazer uma boa música para um bom teatro ou, melhor ainda, fazer com que o bom teatro surja desta boa música?”. Resta esperar que no Brasil continue-se a dar oportunidades para estas questões continuem sendo feitas, mesmo que fiquemos sem repostas.

Fotos: 1) Fernando Portari e Rosana Lamosa em "A Tempestade"; 2) Martha Herr como "Olga" e 3) Sigune Von Osten em "Kseni".

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

16 setembro 2006

Um cravista bem temperado

CD de Nicolau de Figueiredo mostra a beleza da obra de Domenico Scarlatti.

É até um golpe baixo começar um álbum dedicado às sonatas para cravo de Domenico Scarlatti (1685-1757) com a “Sonata em Ré Maior, K 119”: sua sonoridade naturalmente eletrizante, seus trinados e acordes dissonantes imprimem a esta peça características muito peculiares que a destacam da enorme produção que este compositor dedicou a este gênero.

Porém, se o golpe visa capturar o ouvinte logo na primeira música – e isto é um fato – todo o demais que encontramos no álbum “Domenico Scarlatti: Sonatas para Cravo” não é menos belo ou empolgante, seja por conta da maestria da escritura de Scarlatti, seja em virtude da estupenda interpretação do cravista brasileiro Nicolau de Figueiredo. Estupendo pela energia esbanjada nas sonatas mais vertiginosas (tal como na “Sonata K 141”), pelo requinte empregado nas sonatas mais delicadas (tal como na “Sonata K 380”) ou pela inteligência musical aplicada na condução rítmico-temporal das músicas contidas neste precioso álbum.

Natural de São Paulo, desde 1980 Nicolau de Figueiredo está radicado na Europa, seguindo o mesmo caminho traçado por diversos músicos brasileiros que se especializam no repertório anterior ao século XVIII (pois até nos dias de hoje o Brasil é uma terra extremamente hostil para quem queira se dedicar à música antiga). Apesar de seu notório talento para o cravo, as atividades musicais de Figueiredo não se limitam a este instrumento que é tido com um dos mais fundamentais do período Barroco: além de inúmeras apresentações com este instrumento, constam em seu curriculum interpretações ao pianoforte (precursor do piano moderno) e diversas colaborações em produções líricas, além da atividade pedagógica em canto barroco que desde 2004 ensina no Conservatório de Paris.

Com tanto talento, apenas pontualmente Figueiredo faz apresentações no Brasil, ocasiões imperdíveis para se testemunhar ao vivo a inventividade musical deste artista que com este álbum renova o interesse sobre as sonatas de Scarlatti, que já foram registradas pelas mãos de grandes músicos, tal como o cravista norte-americano Scott Ross (que gravou todas as sonatas de Scarlatti) e o pianista russo Vladimir Horowitz.

Natural da cidade italiana de Nápoles, Domenico foi filho de um importante compositor de óperas e oratórios do período Barroco, Alessandro Scarlatti. Porém, sua complicada relação com o pai (de quem viria se emancipar apenas as 32 anos de idade) talvez seja o principal responsável por Domenico não se dedicar aos gêneros pelos quais o pai havia conquistado notabilidade na Europa, aprofundando-se então na composição de sonatas para cravo. Hoje em dia estão contabilizadas 555 sonatas, porém tudo leva a crer que Scarlatti tenha composto muitas outras, já que parte de sua produção pode ter se perdido durante o caos que se instaurou em Lisboa após o terremoto assolou a cidade de 1755, então sede da corte portuguesa para qual o compositor esteve a serviço por muitos anos.

Ainda em vida, suas sonatas foram executas em diversos lugares, ganhando diversas edições, o que indica um alto grau de aceitação que sua obra tinha com o público. Desde então estas sonatas nunca mais deixaram o cânone da música ocidental, e desde de meados do século XX – quando se iniciou o resgate de práticas e técnicas musicais antigas – as sonatas de Scarlatti têm ganhado uma nova dimensão quando interpretadas não mais por piano comum, mas sim no instrumento para o qual ele as concebeu, isto é, o cravo.

A sonoridade ao mesmo tempo áspera e cintilante deste instrumento de tecla é inclusive um dos pontos fortes do álbum de Nicolau de Figueiredo, não só pela competência do músico, mas também pela versatilidade do instrumento utilizado nesta gravação e pelo belo trabalho de gravação realizado, que será melhor degustado em um bom fone de ouvido com os alto-falantes fisicamente bem separados um do outro (os sons graves estão sutilmente mais proeminentes no canal esquerdo e os agudo no direito do conjunto em estereofônico). É, enfim, presença obrigatória em qualquer discoteca.

10 setembro 2006

Cânticos de um Brasil pretérito

Caixa de CDs traz coletânea de músicas recolhidas pela Missão de Pesquisas Folclóricas, idealizada por Mário de Andrade.

Pensar e compreender a música no Brasil está longe de ser uma tarefa das mais triviais, ao menos quando se tem em mente a diversidade estilístico-social que lhe é inerente e as complexas relações e implicações que dela resulta: índios, brancos, negros, miscigenação, religião, comércio, rituais, mundo rural, mundo urbano, estrangeirismos e ambientações são apenas alguns dos ingredientes que compõe este complexo fenômeno artístico-cultural que é a nossa música.

O lançamento do projeto “Mário de Andrade - Missão de Pesquisas Folclóricas”, que inclui seis CDs e um mini-livro, é uma oportunidade há muito tempo esperada por pesquisadores e amantes da música brasileira que queiram entender melhor um dos capítulos mais interessantes de nossa rica e complicada história musical.

Ciente da complexidade do fenômeno musical brasileiro, Mário de Andrade (1893-1945) dedicou boa parte de sua produção intelectual à compreensão de nossa música, à parte sua impressionante produção como poeta, cronista, romancista e jornalista. Para isto, lançou mão de recursos científicos e metodológicos pioneiros em um país que ainda hoje sofre com a desinformação e o descaso de seus patrimônios culturais.

Nascido em São Paulo, Andrade recebeu sua educação formal numa sociedade que tinha a cultura francesa como referência cultural. No âmbito da música, a estética do Romantismo europeu era o ideal artístico almejado pelas elites, ao mesmo tempo em que a cidade e sua periferia já experimentava uma intensa atividade de música popular.

Como todo rebento de uma “família de respeito”, Andrade aprendeu francês, artes e música, freqüentando o então renomado Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.

Apesar imerso numa sociedade que pateticamente sonhava com os boulevares parisienses, desde que começou a se dedicar à compreensão da música brasileira, Andrade entendeu que o abrasileiramento da música que hoje chamamos de música erudita era a condição fundamental para que nossa música fosse projetada à condição de arte universal.

Tal como ocorrido em algumas culturas européias na passagem entre os séculos XIX e XX, esta nacionalização da música de concerto era idealizada por meio da inserção de elementos de música tradicional em meio a um contexto sinfônico ou camerístico, além da evocação de imagens e temáticas oriundas deste universo.

Porém, Andrade não queria apenas perpetuar as práticas de compositores Românticos brasileiros – tais como Alberto Nepomuceno, Alexandre Levy e Hekel Tavares – que apenas utilizavam melodias oriundas de uma visão bastante estreita de folclore em meio a um contexto musicalmente europeizado e discrepante com a natureza de nossas tradições populares.

Andrade tinha como meta fazer com que a nossa tradição popular fosse parte intrínseca da moderna música de concerto, nos moldes que então se fazia na Europa por meio da obras de grandes compositores que passaram a ser associados ao Neoclassicismo, tais como Igor Stravinsky, Maurice Ravel e Manuel de Falla, entre outros. Era o sonho de um Nacionalismo musical então sem precedentes em nossa história.

Para que isto se concretizasse, Andrade vislumbrou três etapas através das quais esta nova arte musical tipicamente brasileira necessariamente deveria passar. A primeira delas era a fase da tese nacional, na qual os compositores deveriam estudar e pesquisar manifestações folclóricas para sua incorporação na música de concerto, mesmo não que de imediato não se identificasse com elas. Vencida a primeira etapa, viria então a fase do sentimento nacional, na qual os compositores já se identificariam com as características do material musical de nosso folclore, sendo então capazes de compor livremente. Por último, viria a fase da inconsciência nacional, e nesta a composição já resultaria naturalmente “brasileira”, independente da intenção do autor.

Por fim, o projeto final de Andrade não se realizou de forma efetiva. Porém, para que este projeto chegasse aos interessantes resultados que chegou – vide, por exemplo, as obras de compositores como Camargo Guarnieri, Francisco Mignone e Heitor Villa-Lobos – Andrade teve que dar uma resposta à pergunta que norteia toda esta questão: Em que se consiste a natureza da genuína música brasileira, aquela a ser tomada como referências para todas as demais?

A resposta é simples: a música popular. Porém, continua-se a perguntar: Mas qual música popular? Para Andrade, apenas aquela que ainda estava salvaguardada das influências estrangeiras que já se faziam presentes na música popular dos centros urbanos do sudeste, isto é, praticamente toda a música não urbana, seja ela rural, sertaneja, cantos de trabalhos ou mesmo aquela proveniente de pequenas cidades. Em outras palavras, tudo aquilo que passou a se designar por música folclórica.

Vivendo numa era em que a indústria fonográfica já dava seus primeiros passos em direção ao esfacelamento dos estilos musicais regionais por meio da influência de ritmos estrangeiros – em especial, o jazz – o folclore mostrava-se para Andrade como a única fonte pura onde o Brasil poderia beber de sua própria brasilidade.

Porém, a visão de música folclórica que Andrade tinha era muito mais ampla se comparada ao entendimento que os compositores Românticos tinham anteriormente, em geral, focada na visão bucólica e pastoril do nordestino e do homem do campo brasileiro. Sob este aspecto, um dos principais feitos de Andrade foi mostrar as elites brancas toda a tradição da música ritualística negra, da macumba, da feitiçaria, ainda vista com temor e reprimida pela polícia da época.

Ciente da necessidade de ampliar o “repertório” folclórico conhecido na cidade, em finais de 1928 Andrade empreende uma viagem pelo Nordeste brasileiro a fim de catalogar diversas manifestações folclóricas ou desconhecidas ou pouco estudadas, sendo um dos pioneiros do estudo científico da música brasileira ao buscar em campo as informações que procurava, não se contentando com meros relatos ou com sensos-comuns. Apesar dele mesmo não ser um compositor, Andrade tinha em mente que este tipo de material deveria ser a pedra fundamental do Modernismo musical que ele imaginava para o Brasil.

No ano seguinte ele retorna a São Paulo com um vasto material, em especial, fichamentos descritivos e partituras das músicas que presenciou. Porém, Andrade sabia que ainda havia muito a ser feito, e em 1934, ano em que assume o Departamento de Cultura de São Paulo (atual Secretaria de Municipal de Cultura), vê a oportunidade de fazer este trabalho científico com a extensão e os recursos tecnológicos – isto é, com o uso de gravadores – que na década anterior não lhe foram possíveis. É quando passa a ser organizada a Missão de Pesquisas Folclóricas.

Algo parecido foi empreendido anos anteriormente em regiões do Leste Europeu pelo compositor húngaro Béla Bartók. No Brasil, apenas as gravações de indígenas em Rondônia realizadas em 1917 por Roquete Pinto ao acompanhar uma expedição do Marechal Rondon (porém, todo este material foi praticamente perdido devido ao descaso estatal) precede à ação de Andrade.

Após muita preparação, por fim, em 1937, a Missão parte rumo ao Nordeste do Brasil em busca de material etnográfico para a Discoteca Pública de São Paulo (órgão criado por Andrade, hoje departamento do atual Centro Cultural São Paulo). Coordenados por Andrade, por Oneyda Alvarenga (então diretora da discoteca) e Dina Lévi-Strauss (esposa do antropólogo francês Claude Levis-Strauss, um dos pioneiros da USP) a equipe que iria a campo era formada por apenas quatro homens – Martin Braunwieser, Luis Saia, Benedicto Pacheco e Antonio Ladeira – que ficariam a cargo de todas as etapas do processo de coleta de material músico-etnográfico, tais como a própria gravação, a descrição escrita, filmagens e fotografias.

É do imenso material fonográfico coletado por este bravos pesquisadores que foi extraída a antologia contida nos seis CDs recém lançados neste grande projeto finalmente disponível para consulta.

No total, são quase sete horas de música. Pode parecer muito, mas quando se pensa que estas horas são apenas uma parcela de todo o material coletado – e que este é, por sua vez, uma pequena parte de toda a cultura não-urbana então existente neste Brasil pretérito – é que se certifica o quão breve, apesar de valiosa, é esta antologia. Apesar de abranger cinco Estados, boa parte da coleta realizada pela Missão concerne a Paraíba, que então dividia algumas tradições folclóricas com Pernambuco. Muitas das manifestações testemunhadas por estes pesquisadores ainda sobrevivem aos dias atuais, mesmo que muitas vezes mascaradas sob rótulo comerciais ou turísticos.

Trata-se de uma coleção para se ouvir aos poucos, sempre recorrendo aos excelentes e acessíveis textos (em edição bilíngüe em português e inglês) de Flávia Toni, Marcos Branda Lacerda e Jorge Coli. Se o interesse aumentar, o conjunto de estudos pode ser completado com o “Dicionário Musical Brasileiro”, obra póstuma realizada a partir das anotações de Andrade sobre os diversos aspectos de nossa cultura musical.

O projeto ideológico musical de Mário de Andrade pode, por fim, não ter se realizado com a mesma amplidão que imaginou. Mas a diversidade de nossa música permanece, e estes registros são a oportunidade de visitarmos musicalmente uma parte de nosso passado musical que quase se perdeu definitivamente de nossa cultura.

28 agosto 2006

O mandarim escultor de timbres

Pianista chinês de dezesseis anos vence o controverso Concurso Internacional de Piano Villa-Lobos.

Entre os escândalos, trocas de acusações e muitas incertezas quanto a sua legitibilidade, a expectativa inicial em relação ao Concurso Internacional de Piano Villa-Lobos (CIPVL) não era simplesmente saber quem seria o melhor pianista, mas sim se haveria espaço para que a verdadeira música fosse feita em meio a tantos fatos lamentáveis.

Idealizado pelo Ministério das Relações Exteriores, o concurso contou com a realização da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Por sua vez, seu diretor, o maestro John Nesching, convidou o pianista israelense Ilan Rechtman, então seu amigo e parceiro profissional, para cuidar do gerenciamento artístico do evento.

Quando o concurso chegou em sua etapa de divulgação dos candidatos selecionados para as provas eliminatórias em São Paulo, iniciou-se uma tumultuosa troca de acusações de conduta ética (em específico, sobre a controvertida relação de pianistas selecionados) no qual fica-se difícil saber onde mora a verdade, ainda mais num contexto onde o sujo reclama da imundice do mal-lavado. O ocorrido tornou-se um escândalo amplamente divulgado pela mídia imprensa e recentemente ganhou projeção internacional pelas páginas do New York Times.

Apesar do concurso, por fim, ter se realizado, a questão não-musical está longe de ser resolvida e aguarda sua conclusão em alguma delegacia paulistana: recentemente o jornalista e crítico musical Irineu Franco Perpétuo foi vítima de um falsário que se fazendo passar por ele enviou para alguns jurados e candidatos do concurso um e-mail contendo uma suposta entrevista cujo conteúdo vai muito além da mera coleta de depoimentos. Cabe agora à polícia descobrir o autor da fraude para que se possa conhecer a real intenção desta mensagem. De tanta confusão de bastidores, apenas a imagem do presidente do júri, o pianista Nelson Freire, manteve-se intacta.

Mas apesar de toda tensão que circundou o concurso e todos seus participantes, muita música de qualidade pode ser ouvida, e ao menos dentro do rol de pianistas selecionados para as provas do concurso, pode-se ter a certeza que o prêmio máximo foi de fato atribuído àquele que cativou o júri e parte da platéia por sua música arrebatadora, isto é, o adolescente chinês Chun Wang. Poderia estar na lista de excluídos das etapas eliminatórias do concurso algum concorrente a altura de Wang? Talvez, mas a música que este jovem de dezesseis anos mostrou é uma certeza inconteste de que a arte prevaleceu, apesar de chamuscada pelo tiroteio político ocorrido fora do palco.

E foi com segurança e inventividade musical que Wang apresentou-se no concerto dos vencedores, domingo passado, na Sala São Paulo. Ao longo dos últimos tempos os músicos orientais que se dedicam à música clássica são freqüentemente associados a um estereótipo – não de todo injustificado – de alta excelência técnica, mas que, porém, deixam a desejar na sensibilidade artística.

Wang além de ter um domínio técnico excepcional é um grande lapidador de timbres e coloridos pianísticos, tal como pode ser conferido em sua suntuosa interpretação de “El corpus em Sevilla”, de Isaac Albéniz. Mas foi com a virtuosística e delicada “Gaspard de la Nuit”, de Maurice Ravel, que Wang cativou a todos com seu domínio absoluto desta intrincada obra: nuances de dinâmica e timbre, controle do gesto e do tempo musical, qualquer coisa que se diga não é suficiente para descrever a beleza singela que o pianista conferiu a esta que é uma das obras mais difíceis do repertório pianístico. Dentre todas as qualidades artísticas de Wang que se pode enumerar, talvez a mais importante seja a entrega e a simbiose com a música que sua interpretação sugere a quem o ouve e o vê. Como ele, mergulhamos numa experiência artística profunda, onde a música reina soberana.

Foi justamente esta relação com a música o principal diferencial de Wang com sua compatriota que levou o segundo lugar, a também muito jovem Jie Chen, de vinte anos, cuja força e simpatia fizeram dela a predileta no voto popular. Mas apesar de detentora de um talento e de uma musicalidade igualmente inegável – vide sua estupenda interpretação do “Estudo Transcendetal No. 12” de Franz Liszt – Chen ainda se senta ao piano como alguém que tem um grande e difícil desafio a vencer, e apesar de invariavelmente vencer, fica a impressão de algo a mais, algo impalpável e mesmo indefinível, poderia ter ocorrido. Correndo o risco do simplismo, a impressão geral entre os dois finalistas é de que Chen toca piano muito bem e Wang faz música muito bem.

Para quem não ouviu estes novos talentos que a China está lançando ao mundo, para o ano que vem está prometido a apresentação destes dois finalistas em recitais solos e em concertos junto com a Osesp (já em abril o jovem Wang tocará o “Concerto No. 1” de Frédéric Chopin). A presença de chineses no posto mais alto de um concurso internacional é cada vez mais freqüente, resultado de um investimento monstruoso que o governo deste país tem feito nas últimas décadas na construção e manutenção de conservatórios, universidades de música e orquestras. No ritmo que as coisas andam neste lado do mundo, caberá a nós apenas esperar a vinda de novos mandarins musicais para mostrar ao ocidente o quão bela é a música um dia feita por aqui.

Concurso ou Olimpíada musical?

Mal findado o CIPVL, o maestro John Neschling já anunciava oficialmente a realização de uma segunda edição para 2010, bem com a certeza de que o evento prosseguirá existindo com a periodicidade quadrienal. À parte os fatos obtusos que marcaram esta primeira edição do concurso, algumas ponderações sob o formato escolhido também precisam ser feitas.

Ao longo de sete dias, os candidatos não tiveram apenas que provar quem era o melhor músico, mas também quem tinha o melhor preparo físico para esta verdadeira maratona. Horas de ensaio e preparação certamente fazem parte do cotidiano de qualquer bom pianista, mas a carga de trabalho que os candidatos tiveram que enfrentar em um espaço de tempo tão curto está longe de ser a habitual, fato este que acaba por privilegiar os concorrentes mais jovens. Poderia o resultado final ser diferente todo o processo ocorresse em duas semanas, ao invés de uma?

Outro problema foi a presença da orquestra nas etapas que a incluíam na prova dos candidatos. Na semifinal, sob a regência do assistente Victor Hugo Toro, a orquestra quase “derrubou” alguns concorrentes, e mesmo no concerto da finalíssima, com Neschling acompanhando os candidatos em obras concertantes de Villa-Lobos, a pouca familiaridade que o conjunto tinha com as obras foi também um fator que não permitiu a plena fluidez da interpretação musical dos concorrentes, eles mesmos, por sua vez, ainda em estágio de compreensão da obra de Villa-Lobos.

Aliás, a tematização do concurso por meio da obrigatoriedade da execução de peças do compositor brasileiro é uma iniciativa interessante quando pensamos em seus possíveis benefícios, isto é, a divulgação não apenas da música de Villa-Lobos, mas dos compositores brasileiros como um todo. Entretanto, a pouca familiaridade com sua obra não foi apenas um privilégio de quem pisou no palco, já que boa parte dos pianistas estrangeiros que constituíram o júri estavam também a se familiarizar, ao menos auditivamente, com elas.

Premiação do júri:
1º. lugar - Chun Wang (16 anos, China) – US$ 30 mil
2º. lugar – Jie Chen (20 anos, China) – US$ 10 mil
3º. lugar – Romain David (28 anos, França) – US$ 5 mil
4º. lugar – Irina Zahharenkova (30 anos, Estônia) – US$ 2,5 mil

Melhor pianista brasileiro no concurso:
Aleyson Scopel (24 anos) – US$ 2 mil

Júri popular:
1º. lugar - Jie Chen
2º. lugar – Irina Zahharenkova
3º. lugar – Chun Wang
4º. lugar – Romain David