22 outubro 2007

A música e a Igreja: entre a liturgia e o entretenimento

Afinal, qual é a função da música na Igreja? Ou melhor, qual o papel que a música deve desempenhar na vida religiosa na contemporaneidade? O tema em questão é o que desenvolverei no próximo domingo na palestra "A Música e a Igreja: entre a liturgia e o entretenimento", que contará com culto com serviço musical e um debate sobre os pontos levantados em minha exposição. Abaixo as descrições e informações gerais. Até lá!

Descrição da palestra:

Desde os primórdios do cristianismo a música está estreitamente relacionada com sua liturgia e cotidiano.

Se em um primeiro instante a música mostra-se como um poderoso meio devocional, é inegável o fato de que, com o passar do tempo, ela se transformou na peça central do “espetáculo litúrgico” que veio caracterizar boa parte dos cultos cristãos desde a Idade Média.

Sacro e profano, ritual e espetáculo, evangelização e entretenimento, devoção e profissionalização são alguns dos antagonismos presentes na relação entre a Igreja e a música.

É sobre esta relação que a palestra abordará aspectos de seus precedentes históricos, bem como suas implicações na contemporaneidade.

Tópicos da palestra:
- A música nos primórdios da Igreja Cristã.
- A música e a Reforma Protestante.
- A música da Igreja e seus estilos.
- Música e cultura “pop” e a sua relação com a Igreja.

Participantes:

- Palestrante: Leonardo Martinelli (compositor e professor).
- Debatedores: Samuel Kerr (maestro), Ricardo Barbosa (maestro) e Celso Mojola (compositor e professor).
- Músicos: Teresa Longato (maestrina) e Coral da Igreja da Paz e Ricardo Barbosa (maestro) e Madrigal Voz Ativa.

Informações gerais:
- Evento gratuito
- Emitirá certificado de participação aos presentes
- Número de vagas: 400
- Inscrições: pelo e-mail igrejadapaz@uol.com.br e pelo telefone (11) 5181-7966
- Local: Igreja da Paz, Rua Verbo Divino, 392, Granja Julieta, São Paulo, SP.
- Horários: 28 de outubro de 2007, domingo, às 10h (início do culto) e às 11:30 (palestra seguida de debate).

11 outubro 2007

Mestres e discípulos

Em iniciativa inédita, recitais com grandes pianistas brasileiros serão abertos por jovens talentos.

Diz o senso comum que o Brasil é uma terra de grandes pianistas, idéia corroborada pelos grandes nomes do passado e do presente que, nascidos em terra brasilis, fizeram fama e carreira mundo afora. Mas, paradoxalmente, da mesma forma que por muito tempo nossos melhores grãos de café eram raramente apreciados pelo consumidor nacional, a maioria de nossos melhores pianistas ainda hoje estão destinados à fruição do público estrangeiro. Com sorte, provamos um pouco de sua arte quando eles se apresentam acompanhados por orquestras, ou na terminologia barista, machiato, diluídos em meio a um grande conjunto instrumental. Raras são as oportunidades em que seja possível absorve-los de forma pura, apreciando sua sonoridade por meio de uma arte que se materializa apenas em peças solo.

É justamente este cenário que faz da série de recitais “Piano Solo”, que se inicia próxima segunda-feira, uma oportunidade rara para ouvir nomes consagrados do piano nacional. Com apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo, a série se inicia com o recital de Nelson Freire, seguido da apresentação de Diana Kacso (que este ano retoma sua carreira musical depois de um longo tempo afastada dos palcos), Cristina Ortiz e, por fim, Eduardo Monteiro, idealizador do projeto.

“A idéia da série está em minha cabeça há muito tempo, pois praticamente não há no Brasil uma série de especificamente de piano solo. Há muitas séries orquestrais, que de vez em quando convidam estes pianistas para concertos. É raro eles serem ouvidos no Brasil em recital solo” diz Monteiro, que além de pianista é professor deste instrumento na USP.

Foi justamente as atividades didáticas de Monteiro que fizeram ele elaborar para a série um formato praticamente único na cena clássica, fazendo com que estes recitais sejam precedidos por uma breve apresentação de jovens pianistas, todos na faixa dos vinte anos (alguns ainda realizando seus estudos). “A idéia de fazer uma abertura antes do recital tem muito a ver com meu perfil profissional, com minha preocupação com a formação dos jovens. Existem muitos talentos que se perdem inclusive por falta de oportunidades, pois se é difícil para um pianista renomado conseguir se apresentar solo, imagine para alguém que está começando”.

O formato proposto é comum na cena pop, onde os shows de grandes bandas são precedidos por aberturas de grupos iniciantes que, eventualmente, tornam-se bandas grandes, que por sua vez passam a convidar outras bandas iniciantes para abrirem seus shows, estabelecendo um círculo virtuoso que ajuda a mover a economia deste segmento. No caso da música clássica a adoção deste formato não é factível em muitos de seus tipos de espetáculos, já que a infra-estrutura de uma orquestra, ou de uma ópera, é em si grande e dispendiosa. A música de câmara é, talvez, o lugar ideal para este formato, mas mesmo assim este tipo de ação é virtualmente inexistente, dificultando ainda mais o início de carreira de um músico.

Na fogueira

Existe situação mais tensa do que subir ao palco e dar conta de todo um recital sozinho? Aparentemente não. Mas o que você acha de abrir a apresentação de seu principal mestre e mentor? Ou então tocar antes de um pianista que é considerado um dos melhores músicos da atualidade, tal como é o caso de Nelson Freire? As palavras “responsabilidade” e “honra”, precedidas por adjetivos como “grande” e “enorme” são os termos comuns que todos os jovens pianistas envolvidos no projeto utilizaram para definir seus sentimentos nestes dias que precedem suas apresentações.

Alunos do pianista Eduardo Monteiro, os jovens Leonardo Hilsdorf, Juliana D’Agostini, Cristian Budu e Érika Ribeiro terão, até o presente momento, a grande oportunidade de suas carreiras. Isto ocorre não apenas por seus nomes figurarem ao lado de músicos já consagrados, mas também pelo enorme desafio musical eles enfrentarão, já que eles escolheram para suas apresentações peças de alto nível técnico e interpretativo, que bem poderiam figurar no programa dos pianistas que estão preludiando. Não é coincidência que obras do compositor húngaro Franz Liszt – famoso pelo virtuosismo de sua escrita – estão presentes em quase todas as aberturas.

Apesar desta oportunidade de ouro, estes jovens pianistas são muito realistas quando o assunto é o desenvolvimento da carreira. “Minha vontade sempre foi poder trabalhar com música de câmara, atividade que infelizmente encontra poucas oportunidades no Brasil”, diz Érika Ribeiro, a mais experiente do grupo e que atualmente cursa mestrado como um meio adicional de sustentabilidade de carreira de musicista. A academia é um caminho que Cristian Budu também não descarta, apesar do desejo de ser concertista. Apesar dos diferentes anseios, há um objetivo comum a estes diferentes jovens, que é de fato poderem desenvolver suas carreiras e, quem sabe, terem seus recitais abertos por outros jovens pianistas.

Serviço:
> Recital de Nelson Freire, com abertura de Leonardo Hilsdorf.
Em São Paulo no dia 15 de outubro e no Rio dia 17.
> Recital de Diana Kacso, com abertura de Juliana D’Agostini.
No Rio no dia 8 de novembro e em São Paulo no dia 9.
> Recital de Cristina Ortiz, com abertura de Cristian Budu.
Em São Paulo no dia 26 de novembro e no Rio dia 29.
> Recital de Eduardo Monteiro, com abertura de Érika Ribeiro.
No Rio no dia 12 de dezembro e em São Paulo no dia 13.

Em São Paulo os recitais ocorrerão no Theatro Municipal e na Sala Promon. No Rio os recitais ocorrerão na Sala Cecília Meireles. Em ambas as cidades os recitais começam às 20:30. Os recitais têm preços diferentes por apresentação, que variam entre R$ 220 e R$ 150, sendo possível comprar o pacote com todos os concertos por R$ 400. Ingressos: Theatro Municipal de São Paulo, (11) 3222-8698 e Sala Cecília Meireles, (21) 2224-3913.


[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

05 outubro 2007

25 anos sem o re-inventor do piano

Tido como excêntrico, mas acima de tudo genial, a arte de Glenn Gould continua insuperável.

No dia 4 de outubro de 1982 chegava ao fim a vida de um dos mais singulares e controvertidos pianista clássico. Vitimado por um derrame, com apenas 50 anos o canadense Glenn Gould ingressava na história com sua eternidade artística garantida por meio das diversas gravações que realizou ao longo de sua breve vida. Porém, mais do que discos a serem posteriormente “requentados” pelas grandes gravadoras, a verdadeira herança de Gould reside na atitude artística que suas gravações trazem implicitamente consigo.

Em meados do século XX, o barateamento dos equipamentos de entretenimento eletrônico (tais como o rádio, a televisão e a vitrola) e o desenvolvimento de uma indústria para fornecer conteúdo a esses meios foram os responsáveis pelo surgimento de diversos “pop stars” que, de uma maneira peculiar, também pulularam na cena clássica universal. Caruso, Toscanini, Callas, Rubinstein, Casals e Karajan são algumas das muitas estrelas que passaram a habitar este firmamento criado pela vendagem de discos, objetos que registravam a habilidade e sensibilidade que estes músicos faziam no palco.

Mais do que um mero registro, ao longo de sua carreira Gould fez das gravações o próprio meio de expressão artística, que especificamente em seu caso já tornariam estes registros em algo excepcional e destoante frente aos padrões interpretativos da época.

O artista por detrás da caricatura

Após mais de duas décadas de sua morte a figura de Glenn Gould continua sendo fundamental para a música moderna. Entretanto, não é de todo errado compreender a força do Gould appeal à caricatura que se incrustou em seu gênio artístico.

Não era por menos, pois mesmo em dias quentes, conta-se que Gould estava sempre a trajar pesadas vestes invernais (incluso com sua indefectível boina). Ao piano, sua postura faria arrepiar qualquer professora de conservatório: sentado em seu banquinho, muitos centímetros abaixo do padrão, o rosto de Gould quase esbarrava o teclado do piano. Não bastasse isso, ao tocar, o pianista se expandia num espalhafatoso e extravagante gestual, freqüentemente acompanhado por animadas cantaroladas (para o terror dos engenheiros de gravação).

Somando-se a estes aspectos de sua figura, a caricatura em torno de Gould seria reforçada por sua acentuada misantropia, culminada com o abandono definitivo das apresentações públicas em 1964.

Porém, à parte sua caricatura, a verdadeira razão pela qual a imagem de Gould deva ser perpetuada é sua atitude artística num nicho ainda hoje dominado pelo mal tradicionalismo e pela ausência de criatividade interpretativa e de repertório.

Menino-progídio, Gould teve sua carreira catapultada pelas transmissões de rádio e TV de concertos, antes tão freqüentes no mass media. Até aí poderia ser mais um caso de um jovem músico cuja perenidade na vida adulta depende de fatores mais ligados à sorte do que ao talento.

Porém, contando ainda com pouco mais de vinte anos, Gould dá o primeiro dos passos que o destacará dos demais, elegendo como base de seu repertório compositores que, apesar de sua grandeza, passavam longe das estantes dos pianistas da época, tais como Bach, Schoenberg, Berg e Orlando Gibbons (compositor renascentista inglês que Gould praticamente ressuscitou no repertório clássico).

Gould também “aumentou” o repertório pianístico ao incluir em seus recitais e gravações transcrições de peças originalmente escritas para orquestras. Por muitos visto como um mero recurso didático – quando não uma arte menor – Gould mostrou que as transcrições eram na verdade reinvenções das próprias músicas, e reinvenção é a palavra-chava em sua estética musical.

O pianista enquanto (re)compositor

Nenhuma caricatura de Gould estará completa sem se referir ao seu estilo nada ortodoxo de execução musical, principalmente no que se refere às obras de Bach (cujas gravações bateram recordes de vendas).

Mais do que mera heterodoxia da execução musical, em Gould a arte de tocar piano reside numa outra dimensão, na qual a interpretação musical é muito mais do que o ato que reviver acusticamente a música supostamente contida nas pálidas e insuficientes informações de uma partitura. Para Gould a interpretação pianística é, necessariamente, um ato de recriação.

Desta forma, a partitura, antes um documento sagrado, é tomada apenas como base para um processo criativo, que em seu estágio final (isto é, o recital ou a gravação), necessariamente se diferenciará de qualquer idealização acústica que a partitura possa sugerir.

Esta atitude, a essência da arte de Gould, nem de longe gozou de consenso em sua época, e mesmo hoje em dia ela tende ser hostilizada por certas práticas de música historicamente orientadas (apesar de mesmo nelas já ser muito premente a necessidade de uma interpretação mais criativa do que reconstitutiva). É justamente aí onde reside a base da controvérsia em torno da música de Gould, cujos célebres exemplos são as diversas gravações das “Variações Goldberg” de Bach (na época, considerada afetada e maneirista), e do “Concerto No. 1”, de Brahms (cujo o andamento foi considero demasiado lento).

Apesar das controvérsias, Gould gozou de imensa popularidade, ao ponto de uma gravação sua de uma obra de Bach ter sido escolhida como representante da arte e inteligência musical para enviado aos confins do universo na sonda Voyager 1, em 1977.

Mais do que um grande pianista, Gould foi um re-inventor. Mas reinventou não apenas o piano e seu repertório, mas bem como a própria essência da interpretação musical.

Apêndice: Gould, para ver e ouvir

Apesar da efeméride, a indústria fonográfica nacional não preparou nada de especial para celebrar ou os 75 anos de nascimento ou os 25 anos de morte de Gould. Entretanto, há ótimas opções que podem ser garimpadas no mercado nacional. Em termos de gravações, apesar de raras, é possível achar nas lojas exemplares da coleção que a Sony Music lançou sobre o pianista durante a década de 1990. Nas estantes das livrarias há, em português, sua biografia escrita por Otto Friedrich (Record, R$ 66). Porém, vale a pena insistir nos DVD, nos quais as performances de Gould podem ser apreciadas também de forma visual (apesar de todos os títulos serem importados). Na falta de dinheiro, uma busca rápida no YouTube proporcionará momentos deliciosos. Ainda em DVD, vale a pena conferir a ficção-documentário “Trinta e Dois curtas para Glenn Gould”, dirigida em 1993 por François Girard.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]